Busão


Tudo que envolva a coletividade é uma loucura, mas o ônibus metropolitano é uma loucura elevada à décima potencia.

Segunda feira pela manhã, depois de 20 minutos de atraso, você começa a agradecer quando o Mercedes aponta lá na esquina.É claro que antes já xingou, resmungou, amaldiçoou até a oitava geração do motorista, mas acabou apelando pro terço de Nossa Sra, que ganhou há uns 12 anos.
Logo na entrada já dá pra perceber o clima: a ressaca e o sono tomando conta do povo.

Mesmo assim, sempre tem um pentelho que insiste em monologar a plenos pulmões os comentários da rodada de futebol do domingo.Ele tenta puxar papo com o trocador, que tenta ignorar.Uma senhora com batom vermelho borrado até nos dentes fuzila o Galvão-Bueno-da-periferia com aqueles olhos amarelados, enquanto um senhor meio abatido e com a pele esverdeada fecha os olhos e tapa os ouvidos com as mãos, na tentativa de fazer a cabeça parar de doer.

Entrega o dinheiro pro trocador, que te devolve três reais em moedas de cinco centavos, a maioria caindo pelo chão e se espalhando, fazendo a maior barulheira.

Depois de meio trajeto em pé, sendo ¾ deste, tentando ultrapassar a roleta, esvazia um lugar.É como jogar milho pras galinhas.Começa aquela movimentação pra ver quem será o felizardo vencedor da competição por um assento no veiculo sacolejante. Quando alguém novo consegue a façanha, é preciso força de vontade pra permanecer, mesmo sob o olhar de reprovação daquela senhora que não dá o braço a torcer e continua pagando a passagem, mesmo que esteja evidente que já passou dos 62 há um bom tempo.

O motorista parece ignorar a proporção de 1 pessoa que sai, para 6 que entram, e continua a embarcar gente. E vai empaçocando o povo...

Daí a pouco você já percebe quem

não tomou banho nas ultimas três semanas. Ou então tem aquela mulher que teve a brilhante idéia de usar Leite de Rosas como desodorante, e quando o calor humano começa a fazer efeito, mistura as fragrâncias e termina de desmontar quem ainda não tiver caído no sono.

No centro da cidade desce quase todo mundo, e é quando você começa a se lembrar o que é o oxigênio entrando livremente no pulmão e o vento fresco circulando, esquecendo aquela baforada na nuca que o engraçadinho que tá te encoxando por trás naquele aperto todo sempre dá.

Tira o livro da bolsa, ajeita o fone de ouvido, e estica a perna.Ah o ônibus vazio...

Entra uma mulher de no mínimo 130 quilos, e você alivia quando ela se senta no banco de trás.
No ponto seguinte aparece aquele cara que de longe já se vê que é chato.Você detona o estoque de orações da semana pra que ele não se sente com você.

É figura conhecida e já chega cumprimentando os poucos que restam no ônibus. Todos tentam disfarçar, um cara finge que ta concentradíssimo lendo o outdoor, o outro se entretém com seus cadarços e a moça vasculha a bolsa à procura de um objeto inexistente. Mas é claro que entre os 32 assentos vazios, ele vai escolher justamente aquele ao seu lado. É o tipinho que gosta de puxar assunto e fazer amizade no ônibus. Cá entre nós, deve ser algum tipo de organização conspiratória dos puxadores de assunto em filas, ônibus, banheiros... Aqui não é lugar de papo, e minha mãe me ensinou a não conversar com estranhos.

Mas ele é insistente. Começa a reclamar do clima, da semana que começa, do time que foi mal (ou, raramente, bem), do trabalho, das vizinhas e por aí vai...Quer saber onde você trabalha, o que faz da vida, a religião, e se você der trela, o CPF também. O jeito é responder rápido e seco, não dar margem pro assunto render.

Dois pontos antes do seu, já vai se despedindo do infeliz e pedindo licença pra sair. É claro que ele não se levanta, só vira pro lado, como se adiantasse alguma coisa.Pior ainda é quando aquelas mulheres com a bunda enorme nem se mexem pra você passar.Depois não adianta reclamar se levar uma bundada no nariz.

Murphy é rei no ônibus, e como se não bastasse seus 25 minutos de atraso, é claro que o motorista não para no teu ponto. Aí aparece a solidariedade dos passageiros. É bonito de se ver.Todo mundo, num coral uníssono começa a gritar “Seu motôÔôÔô, ela vai descer, seu motôÔôÔÔôôÔô!!!”.

Com a cor de um tomate, você desce enquanto o seu novo amigo de transporte dá um efusivo tchauzinho pela janela.

Nessa hora seu desejo mais desesperado é ter um buraco ali mesmo pra se enfiar.E a semana ainda nem começou.