Assunto no interior é sempre o mesmo.
Fulano que casou, Beltrano que brigou bebado na porta do bar até cair, a tal que fugiu com o amante, o coroinha que tá mais pra lá que pra cá...Cidade pequena o controle de natalidade é rigoroso, mas nenhuma, NENHUMA, morte passa em branco.
Desde que eu me entendo por gente a Dona Lourdinha, pianista e faz-tudo da Igreja é velha.Ela é a encarnação do Highlander e toda vez que começa a lista dos falecidos ficamos à espera do nome da velha.
Desta vez não foi diferente.No carro, chegando em Barroso, Tio Sérgio já foi enumerando as vitimas da ultima temporada.
-Ana Maria, do Seu Zé do Quilombo morreu.
-De quê, coitada?
-Velhice.Já foi tarde.
-Mais quem?
-A filha da Joana, da Rua do Cemitério também já foi.
-Jesuscristosacramentado, que aconteceu?
-Acidente de carro.
-Bateu?
-Atropelada.Saiu correndo depois que pegou o filho com o vizinho.
-O Antoninho do Belizério?
-Poizé.
-Eu já desconfiava...
-Esse mundo tá perdido!
-...
-E a Dona Lourdinha que não aguentou o frio!

Pronto.Era o comentário tão esperado. Não que qualquer um quisesse, mas era inevitável.
Coitada.Já me veio na cabeça a imagem da velha azul de frio por uns tres dias sendo comida em casa pelos milhoes de gatos que moravam lá, até que alguém sentisse o cheiro ou o padre precisasse de algo, como um sabonete, e a Dona não estivesse pra ajudar.O rosto enrugado agora todo rigido,o sangue parado escurecendo aquele corpinho esquelético,fraco, pálido...

-Morreu de frio,é?
-Nada.Comprou um casaco.